quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

O autor novato e o medo do plágio

Agora mesmo, de bate-pronto (não vale pesquisar antes no Google): quantos livros você conhece que foram plagiados? Eu só saberia dizer de um (Max e os Felinos, de Moacyr Scliar) e, ainda assim, no frigir dos ovos, Scliar considerou que, por parte do outro autor (Yann Martel), houve apenas "um certo desleixo":(http://www.estadao.com.br/arquivo/arteelazer/2002/not20021107p2691.htm).

Ora bolas, por que motivo então o autor novato tem tanto medo de ter sua obra plagiada? E a resposta é simples: todo autor novato - até por certa inexperiência, e por enorme valoração do ego - pensa sempre ter encontrado o ovo de colombo, isto é, que sua obra será o próximo divisor de águas da literatura mundial (algo como um Dom Quixote, de Cervantes).

O que recomendo: que o autor não se descuide, porém, que desencane disso - e procure escrever o melhor livro possível.

Recentemente, pela Internet, com um pessoal bastante conceituado (Oficina de Escritores - OE), tivemos essa mesma discussão e, por ser assunto recorrente, resolvi expôr alguns conceitos por aqui hoje.


Na literatura, para que algo seja considerado plágio é praticamente necessário que o outro pegue a sua obra e a publique como se dele fosse. "Ora, Marcio, você está dizendo que..." Isso mesmo, ideias não são propriedade deste ou daquele MAS DAQUELE QUE PRIMEIRO A EXECUTA. Ainda assim, depois dessa primeira publicação de conteúdo tão inédito e revelador, outros podem também assim fazê-lo. Vejamos um trecho extraído do próprio site da Fundação Bibiloteca Nacional (FBN), local onde se registram as obras:

Assim, se duas obras, sob formas de expressão diversas, contêm a mesma ideia, segue-se que nenhuma poderá ser havida como plágio da outra. Tão somente porque a forma de expressão é diversa? Não. Mas porque a ideia é comum, pertencendo a todos, não pertence exclusivamente aos autores das obra em conflito. Com efeito, as ideias pertencem ao patrimônio comum da humanidade. Já se pensou (sic) em que insuportável Idade Média estaríamos mergulhados se ao homem fosse dado o ter monopólio das ideias? A livre circulação das ideias é, portanto, um imperativo do progresso da humanidade, o que não precisa ser demonstrado.

E passo aí embaixo tanto o link de onde foi tirada a citação e, ratificando o dito acima, o mesmo site que explica como sua obra pode ser registrada, caso assim o deseje.


Também, gostaria de lembrar ao leitor do blog  de dois importantes conceitos: dialogismo e intertextualidade. Caso o leitor deles ainda não tenha ouvido falar, que saia daqui, pelo menos, com algum conhecimento.

Dialogismo significa dizer que todo texto dialoga com os textos que o antecederam, cujo conteúdo e conhecimento, de certo modo, comunicam-se entre si. Ou seja, o seu texto, amigo escritor, ele não nasce do nada, daquilo que seria considerado totalmente inédito, com requintes de originalidade; mas, sim, fruto de uma tradição e, portanto, dialoga com tudo aquilo que o precedeu, inclusive os livros e os autores que você tanto leu e aprecia. Para explicar esse conceito, gosto muito da metáfora de uma criança: Como ela aprendeu a falar?

É óbvio que a partir dos pais, dos irmãos mais velhos, dos amigos da pré-escola, da televisão, enfim, de tudo aquilo que a rodeia e a bombardeia no seu dia a dia: palavras, formas, ideias, conceitos etc. E como se aprende a escrever? A partir desse mesmo modelo, fazendo-se notar a importância da escola, e aí já começar a entrar os seus primeiros autores, meu camarada. Isso é dialogismo: você é um ser social, dialoga e aprende com o mundo que o rodeia.


Intertextualidade, grosso modo, é criar um texto a partir de outro pré-existente, ou dele fazer uso no interior de sua obra (pouco ou muito), incluindo-se aí outros tipos de arte, como cinema, pintura etc.


Portanto, meu amigo, dificilmente você irá conseguir escrever algo assim tão inédito, tão exclusivo, que não tenha sido pensado, avaliado, ou até mesmo escrito, por outro. Não quero entrar aqui nessa seara, porém, o que seria enfim um texto considerado original? Lembro também que os gêneros textuais já estão aí estabelecidos pela tradição, suas estruturas prontas e disponíveis para serem utilizadas por aquele que se dispôr a fazê-lo.

Para não me estender demasiadamente (isto aqui é um blog), descrevo aí embaixo algumas formas do autor mais temeroso se prevenir quanto ao temido plágio de sua obra:


  • Entrar no site da Fundação Biblioteca Nacional (FBN) e aprender como fazer o registro de sua obra (link aí em cima);
  • Enviar uma cópia pelo correio, para você mesmo ou para terceiros, e mantê-la devidamente lacrada;
  • Manter cópias de seus arquivos em pastas de e-mail, como no caso do correio, enviando para você mesmo.

Todas elas, que eu saiba, têm validade legal, além de eventuais testemunhos pessoais de terceiros.

Do meu lado, sempre afirmo que adoraria firmemente ser plagiado e que, de preferência, esta se tornasse um estupendo sucesso de vendas, um inesgotável best-seller (e não se trata de ironia, mas uma questão lógica de Direito).

Finalizo com conhecida frase do meio acadêmico: copiar de um, é plágio; copiar de muitos, é pesquisa.


domingo, 26 de fevereiro de 2012

Elementos da narrativa: personagem (I)

Olá, amigos, vou falar hoje um pouco sobre o elemento mais importante da narrativa: a personagem.

Antes de mais nada, é bom avisar que a palavra personagem é, originariamente, feminina; porém, pelo uso indiscriminado no masculino, acabou se transformando em comum de dois gêneros, ou seja, o/a personagem, tanto faz. Por questões acadêmicas, maior rigidez, acabei me acostumando com o original, isto é, com o feminino, porém, podemos usar tanto um quanto o outro, indiscriminadamente.

A palavra vem de persona, que era o nome dado às antigas máscaras do teatro grego, motivado pela necessidade de haver um orifício para a passagem da voz do ator, portanto, por onde a voz soava (per + sona). Tem essa mesma origem tanto pessoa quanto personalidade - utilizada esta como "conjunto de características individuais e sociais de alguém", ou seja, acompanha o conceito de papel social. Para cada ambiente, para cada expectativa social, utiliza-se determinada persona - explico grosso modo, pois o objeto de estudo aqui é a literatura, não a psicologia.

Voltando para a vida prática, para a problemática em si do escritor, vale a seguinte dica: se quiser escrever um texto que realmente valha a pena, que deixe marcas no leitor, crie bem a sua personagem. Falo isso porque conflito e personagem andam lado a lado, pari passu. A personagem é a essência de toda e qualquer  narrativa, porque alguém precisa vivenciar aquela história, embrenhar-se naquele conflito, e quem faz isto é a personagem principal, o protagonista.


Personagem e conflito são carne e osso do mesmo ser - sem os quais dificilmente uma narrativa se sustenta.

Portanto, ao se criar a personagem, em detalhes, com densidade, esta precisa ter história de vida (passado) e um objetivo a ser alcançado (futuro). Com isso, automaticamente, a própria narrativa já vai se desenhando. Importante para o escritor entender que a personagem é a própria narrativa. Tudo o que você terá de fazer é contar a história de uma personagem, seja ela de que natureza for, viva esta uma história cheia de acontecimentos externos (factuais) ou apenas internos (psicológicos).

Perceba que o Bentinho que inicia a narrativa não é o mesmo Bentinho que termina a narrativa; o mesmo Riobaldo que inicia seu monólogo não é o mesmo que o termina; que a Macabéa do início não é a mesma do final, PORQUE ELES PASSAM POR TRANSFORMAÇÕES, por experiências pessoais que os vão enriquecendo, que vão se acumulando, como os frames de um filme.


Em termos de linguística textual, quando o autor introduz um referente (um nome próprio numa narrativa) é como se instalasse um nódulo textual (uma bolsa, um vaso, um recipiente). De acordo com os predicados da personagem, que o autor passa ao leitor ao longa da narrativa, estes vão se acumulando (características, qualidades, ações), vão se somando às experiências anteriores por ele vividas, muitas, de modo a preencher indefinidamente este nódulo, fazendo com que, ao final, a personagem seja outra, isto é, esteja modificada, não é mais a mesma, porque viveu experiência própria, incomum.

Pode também nosso amigo escritor pensar nesse fato como um processo de enriquecimento. Aqui vale o que já comentei sobre o conflito, em postagem anterior: se não acontece nada na narrativa,  QUANDO NÃO SE ENRIQUECE A PERSONAGEM, dificilmente se prende a atenção do leitor. Em outras palavras, frustra-se o leitor ao permanecer o protagonista com as mesmas características início, meio e fim.

Mesmo em narrativas como Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf, romance polifônico de características psicológicas, a protagonista Clarissa Dalloway do início não é a mesma do final , apesar da história se passar em um único dia. Isso porque, habilmente, a autora constrói passo a passo sua protagonista, vai revelando delicadas informações sobre ela (e de toda uma sociedade), passagem por passagem, enriquecendo o conhecimento que temos dela, do ambiente, daqueles que a cercam. Por analogia, é como um botão de flor que vai se abrindo, expandindo suas pétalas para, no final, mostrar-se perfumada e bela.


Essa é a personagem que o amigo escritor precisa encontrar. Não se preocupe inicialmente com a narrativa (com os acontecimentos em si), mas, antes de mais nada, com uma PERSONAGEM que tenha uma história a ser contada.

Como em Seis Personagem a Procura de um Autor (disponível via Internet), de Luigi Pirandello, acredito que as personagens existam aos borbotões, pedindo insistentemente para que contemos suas histórias, para lhes darmos vida, existência, concretude literária.

Onde e como encontrá-las? Desculpe-me o autor ansioso, cumprimos por enquanto nosso objetivo inicial. Agora, isso é assunto para outro dia.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

"Ter" ou "haver", e a pedra no meio do caminho

Bom, antes de mais nada é preciso que o visitante do blog ouça a poesia de Drummond, No Meio do Caminho, por sinal, considerado o mais polêmico e controverso  texto do autor. Talvez pela publicação ainda em 1928, na Revista de Antropofagia, rompendo paradigmas numa sociedade ainda fortemente tradicionalista. Quem quiser saber mais sobre o assunto, pesquise pela Internet, o que importa agora é ouvir a poesia (inclusive, na voz do próprio autor).


Certa vez, escutei uma professora de literatura comentando que Drummond cometeu "erro" gramatical, um deslize com nosso vernáculo, pois não se deve utilizar o verbo ter com o sentido de existir, mas sim o verbo haver. Desse modo (conforme o Cegalla):

Hoje não feira./Havia teias de aranha por toda parte./ pessoas passando fome.
  
e não

Hoje não tem feira./Tinha teias de aranha por toda parte./Tem pessoas passando fome.

Até aí, tudo bem. Ah, diriam outros, mas Drummond tinha "licença poética", ou seja, tinha o direito de transgredir a norma considerada culta. Novamente, até aí tudo bem.

Ora bolas, uma das vantagens de se estudar gramática sendo autor (que é o meu caso) é que a gente acaba aprendendo diversos macetes que o estudioso não autor tem maior dificuldade em perceber. Por que falo isso?

Um dos segredos da boa escrita é trabalhar com a sonoridade das palavras, e precisamos tomar cuidado com as possíveis más interpretações que um termo sofre ao ouvido de seu interlocutor, ou seja, cacófatos, distorções de significado ou palavras de duplo sentido.

Leia em voz alta: No meio do caminho havia uma pedra / havia uma pedra no meio do caminho / havia uma pedra.

É óbvio que o "havia uma pedra", separado por sílabas poéticas, formam uma tal de "a Vilma pedra".

Leia em voz alta: No meio do caminho a Vilma pedra / a Vilma pedra no meio do caminho / a Vilma pedra.

Perceba como obtemos a mesma sonoridade, porém, com resultado simplesmente catastrófico. E a professora de literatura queria que Drummond fizesse uso da regra culta (!).

Por isso, aqui vai a dica de hoje: cuidado com as sonoridades que as palavras formam, ao se agruparem, ao se sucederem. Por exemplo: abandonou o filho, eterno objeto de sua preocupação. O que dá uma possível leitura: abandonou o filho e terno objeto de sua preocupação. E mais centenas e centenas de outros exemplos que aqui poderiam serem dados.

Resumindo: ao escrever, evitem duplos sentidos, cuidado com a sonoridade resultante das palavras.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Em narrativas, atenção com o verbo "haver"

A dica que passo hoje de escrita é simples, porém, já vi esse deslize pegando muitos bons escritores por aí, e passando batido nas revisões. No fundo, é bastante simples, basta um pouco de atenção.

Quando se escreve uma narrativa, normalmente a fazemos no pretérito, isto é, contamos a história com os verbos flexionados no passado. Eu sei que muita gente gosta de escrever no presente, assunto que, prometo, irei abordar futuramente com maiores detalhes. Porém, somente para jogar um pouco de pimenta neste molho, desde os primórdios da humanidade os homens sentam-se ao redor de uma fogueira, à noite, para bater um papo e contar os acontecimentos do dia, ou grandes situações do passado, inclusive de seus ancestrais.

Em todos esses casos, a história é contada no pretérito. E fica por conta do ouvinte a atualização da narrativa.

Assim, por exemplo, se eu te conto "Eu ia saindo bêbado do salão de baile, mais bêbado do que um gambá, quando, de forma irresponsável, fui atravessar a rua para pegar meu carro, que estava estacionado próximo, momento em que fui atropelado por um veículo cujo motorista, provavelmente, estava tão ou mais bêbado do que eu, porque se evadiu imediatamente do local".

Pronto, perceba como o leitor, apesar de estar lendo no pretérito, atualiza mentalmente a narrativa como se no presente ela estivesse, isto é, os fatos ocorressem naquele exato momento. Logo, quando a narrativa se fizer no pretérito, o verbo haver precisa necessariamente também ser flexionado nesse mesmo tempo.

Por que digo isso? É comum encontrarmos a seguinte construção:

Luciano frequentava aquele bar mais de um ano.

ou

Joana entrou em casa, estava alegre. Cantava como no passado.
Demorou para perceber que, em cima da mesa, uma carta dirigida a ela.

É óbvio que, estando o período no pretérito, o verbo haver precisa também ser assim flexionado. Portanto:

Luciano frequentava aquele bar havia mais de um ano.

ou

Joana entrou em casa, estava alegre. Cantava como no passado.
Demorou para perceber que, em cima da mesa, havia uma carta dirigida a ela.

O que é diferente da fala cotidiana "Ele saiu há pouco tempo", ou seja, "Ele saiu faz pouco tempo". Lembrando que usamos o verbo haver para tempo decorrido (passado) e a preposição a para tempos futuros: "Vou sair daqui a pouco".


sábado, 11 de fevereiro de 2012

Uso desnecessário do pronome possessivo

A prática da escrita e os anos analisando textos de terceiros me levaram ao conhecimento de que certos "erros" praticados pelos escritores neófitos são recorrentes, e vários desses pretendo aqui explicar como evitá-los, exatamente nesta tag que classifico como dicas de escrita. Também, aprendi que muitos desses aprendizes de feiticeiro são renitentes a estas correções, porém, com o tempo, com o amadurecimento da escrita, acabam sempre se rendendo às normas consideradas de boa escrita, se me permitem o uso do termo. Em contrapartida, alguns mais humildes (ou mais inteligentes, sei lá!) incorporam imediatamente e, assim, dão saltos fabulosos com a escrita em curtíssimo espaço de tempo.

Uma regra que recomendo memorização: literatura é condensação. Ou, para melhor explicar, fique sempre com a essência, procure dar à frase o máximo de sentido com o mínimo de palavras. Portanto, DEVE CAIR FORA TUDO O QUE NÃO FOR ESTRITAMENTE NECESSÁRIO. Literatura é isso, e não apenas acúmulo de palavras.

Um dos pontos de melhora que recomendo, não por luxo meu, mas porque pode ser encontrado, inclusive, em qualquer gramáticas de qualidade, é o não uso do pronome possessivo quando na frase, sem ele, já se denota posse. Exemplifico:

Joana acordou cedo, tirou o seu carro da garagem e saiu para cortar o seu cabelo. 

Ora, se a posse já está indicada semanticamente, não há necessidade de repetição. Então:

Joana acordou cedo, tirou o carro da garagem e saiu para cortar o cabelo.

Perceba como ficou bem mais limpo o período. Mais um exemplo:

Cristina remexeu na bolsa dela, balançou as suas pernas.

Retirando-se os possessivos.

Cristina remexeu na bolsa, balançou as pernas.

Importante perceber como pequenos detalhes dão ganho à frase e, consequentemente, à narrativa em geral.

Portanto, aí vai a dica: antes de nomes que indicam partes do corpo, peças de vestuário ou pertences pessoais dispensa-se o possessivo quando o possuidor e o possuído coincidem.

Como teste, tentar melhorar a frase abaixo.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

O Brasil que não muda: Casa Grande e senzala

De um modo geral, não quero utilizar este espaço para criticar as mazelas sociais, porém, sou cidadão brasileiro e fica difícil a gente assistir a tantas injustiças permanecendo-se eternamente calado, principalmente quanto às diferenças de oportunidades e desigualdades sociais que, em nosso país, são assustadoras.

Todavia, o que mais me tem preocupado é que, apesar do alavancamento econômico recente, ainda permanecemos na mesma cultura arcaica "corte versus colônia" ou, em outras palavras, mesmo as camadas  mais jovens, formadas nas melhores universidades do país, carregam em si, de forma intrínseca, a velha ideologia  "casa grande-senzala". Para não dizerem que estou exagerando, até porque descobri recentemente que esse mesmo conceito é defendido por Caio Prado Júnior em sua A Formação do Brasil Contemporâneo, aproveito e repasso alguns números aí embaixo. Antes, porém, para resumir ou melhor definir essa ideologia, podemos pensar também na frase "Você sabe com quem está falando?", como se certos direitos fossem adquiridos por qualidade "divina", ou seja, pelo simples fato de ter nascido em classe social privilegiada, ou valerem-se de determinados cargos.


O Brasil oscila atualmente entre a 6ª (sexta) e a 8ª (oitava) economia mundial, ou seja, riqueza não falta. Porém, em pesquisa recente, segundo o site da BBC Brasil, nosso Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) despenca quando são aplicados os índices de desigualdade social, e, assim, ocupamos apenas a 73ª posição entre os 134 países pesquisados. E tudo isso ainda se considerando a política assistencialista que tem sido adotada nos últimos três períodos de governo - às quais, se cabem críticas, sobram também elogios, inclusive internacionais.

Quanto à distribuição de renda, porém, pior ainda: ocupamos a 116ª posição, ou seja, ali pertinho do Haiti (120ª), Serra Leoa (124ª) ou a Namíbia (126ª).


Portanto, prezado leitor, pode pesquisar aí pelo Google, pode questionar que existe um dado mais recente, que mudou duas ou três posições, mas a conclusão é sempre a mesma: continuamos repetindo a ideologia "casa grande-senzala", ou seja, vivemos num país de enormes desigualdades sociais, uma das maiores do mundo, continuamos entre os dez países mais ricos do mundo, decolando economicamente, porém, com apenas pequena parcela da população beneficiando-se desse crescimento, comendo desse bolo. Revistas recentes têm mostrado o aumento de milionários no Brasil.


Quanto a este assunto, podemos nos estender indefinidamente. Gostaria apenas de deixar registrado que a única saída que vejo é "pela educação" e pela participação de todos na construção de uma sociedade mais justa, ainda que nossa voz seja constantemente reprimida, nossos sonhos destroçados, ou nos imponham o inglório tacão da Justiça sobre os ombros, porque o Estado não é nada mais do que o capital organizado, e a ele estende suas benesses.


É esse o Brasil que, após tantos anos, pensei um dia vislumbrar de modo diferente. Resta-nos apenas, libertarmo-nos do medo e, como na fábula do jovem inocente, devolver ao oceano o máximo possível das estrelas do mar que arrebentam na praia, para que, dentre elas, pelo menos uma ou outra se salve, dando assim alguma razão à nossa existência.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Sacolinhas plásticas II: o retorno

Primeiramente, agradeço a todos que se manifestaram verbalmente comigo quanto ao artigo de opinião Hurricane Smith e as sacolinhas plásticas, de 25/01, inclusive aos integrantes de um órgão público de peso que, por não poderem emitir opinião pública, manifestaram-se em off concordante com o artigo.

Também, fico feliz em saber que outros jornalistas e/ou blogueiros que, como eu, manifestaram-se não contra o uso da sacola biodegradável, porém, contra a forma como isso está sendo feito, ou seja, atendendo prioritariamente aos interesses econômicos dos supermercados.

Portanto, o primeiro motivo que me traz a esse novo artigo é repassar a decisão do Procon a respeito das sacolinhas, o que já foi amplamente propagado, e divulgar uma pessoa daqui da região, o João Gabriel, de São Vicente, que está trabalhando bem este caso, com vários artigos enriquecedores postados em seu blog http://www.blogdojoaogabriel.blogspot.com.


O segundo motivo, é uma bronca braba contra a Prefeitura de Santos, pois li em nosso Diário Oficial, de 30/01/12, que a coleta seletiva bateu novo recorde e, segundo o artigo, existe sim coleta seletiva em Santos, inclusive no bairro onde moro (Boqueirão de Santos) e de que tanto reclamei.

Bom, li a reportagem, fiquei com cara de tacho, consultei tanto a síndica quanto o zelador e... pasmem... não existe aqui no meu pedaço a tal propagada coleta seletiva de lixo. Passam do lado de lá do Canal 3 (Gonzaga) e não do lado de cá (Boqueirão). Então, pergunto, cadê a tal coleta seletiva de lixo do Boqueirão anunciada no Diário Oficial? Se pelo menos houvesse grandes caçambas para se depositar ou realmente um cronograma de coleta aqui no bairro. Atenção: lembro aos amigos de que moro na Rua Pindorama, ao lado do Clube XV, agora também Ibis Hotel e Parthenon, encostado à praia, e não existe coleta seletiva de lixo.

Nesta semana, fui ao supermercado aqui próximo, de carrinho de feira. Como havia previsto, o espaço de gôndola ocupado pelos sacos de lixo tradicionais triplicou, inclusive, com destaque para aqueles que ostentam a marca do próprio supermercado. Algum biodegradável? Algum com recomendação de como separar e reciclar o lixo? Decerto que não. Igualmente, as sacolas retornáveis vindas do Vietnã proliferam por aí... sacolas do Vietnã? Isso mesmo, colegas, verdadeiras ecobags do Vietnã!!!...


Resumindo a história, paguei R$ 16,90 por 60 saquinhos de 15 litros que se diz "sustentável" (I'm green, ele se diz). Na parte de trás, consta que a matéria prima é 100% renovável (?), e que o plástico verde é produzido a partir do etanol da cana-de-açúcar (?). Ah, também que o material é reciclável (mas será biodegradável?) e a tecnologia é 100% brasileira.

Bom, agora eu pego um monte de pets, embalagens plásticas, isopores, tubos plásticos, latas em geral, ponho em meu saquinho de lixo sustentável (?) e vai tudo junto, compactado na caçamba junto com material orgânico, para algum depósito de lixo (aterro sanitário). Aliás, como os sacos são de 15 litros, provavelmente tenha de colocá-los em saco maior, ainda não "sustentável" (!).

E quando alguém descobrir quando tempo demora de fato para essas novas sacolas se degradarem, e em que condições, por favor, me avisa. Também, se esse "sustentável" significa "degradável" ou se estou bancando mais um verde otário.

"E la nave va", ou se o amigo preferir, "vamô qui vamô" (tudo por um planeta mais saudável).



quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Elementos da narrativa: enredo

Recentemente, falei um pouco sobre a importância do conflito na narrativa; hoje, vou falar um pouco sobre o enredo.

A palavra deriva do verbo enredar, que significa emaranhar-se, embaraçar-se em coisas intrincadas ou situações complicadas. O próprio verbo vem da conceito de rede, que é uma malha larga feita com o entrelaçamento de fios. Portanto, o enredo é um emaranhado de situações que percorre uma narrativa, tendo como principal ator exatamente o protagonista, aquele que promove a ação narrativa, que faz com que as situações se sucedam. Daí, fica fácil ao amigo escritor compreender até o discutido conceito de "a jornada do herói": é aquele que, em benefício de uma sociedade, tem uma difícil tarefa a cumprir (normalmente, um Mal maior) e sai em busca de sua missão, isto é, eliminar o inimigo. Em suma, é como o "salvar" de um jogo de videogame, ou o duelo final de uma história de bang-bang onde o mocinho sai vencedor, ou de uma justa da Idade Média etc. e etc.


É estrutura bastante simplificada, mas que toca profundamente o inconsciente humano (mundo dos arquétipos) e, portanto, funciona muito bem. Famosa é a citação de que a trilogia de Guerra nas Estrelas foi fundamentada nessa jornada, muito bem explicada por Joseph Campbell em O herói de mil faces ou em O poder do mito (livros que podem facilmente ser encontradas em uma livraria).

Pois bem, daí percebe-se facilmente a necessidade de haver um conflito básico que sustente a narrativa, que dê razão e conduza nosso herói a uma meta maior, final, a qual acarreta clímax e desfecho narrativo.

Gostaria apenas de fazer distinção entre fabulação e trama, de acordo com os formalistas russos. O leitor que pesquisar pode encontrar diferentes definições para o que seja fabulação, porém, esse conceito que passo penso ser extremamente prático, e útil (repasso aqui somente conceitos que considero "úteis", ou seja, tenha utilidade prática quando da escrita, nada de aporrinhações estéreis).


Fabulação é a história estruturada de forma linear, ou seja, de acordo com a ordem cronológica, com o correr exato do tempo. Exemplo: a, b, c, d, e, f, g... etc., sempre na ordem correta, na ordem dos acontecimentos. Trama é exatamente o emaranhamento dos fios, ou seja, o cruzamento desses acontecimentos, a fim de contar a história de modo mais interessante ao seu leitor, E NÃO NECESSARIAMENTE NA ORDEM CRONOLÓGICA. Por exemplo, Machado de Assis conta a história de Dom Casmurro a partir da velhice da Bentinho, e retoma os pontos da juventude, inclusive dos primeiros contatos com Capitu. Idem em Memórias póstumas de Brás Cubas, o qual, inclusive, é contado a partir do narrador já morto. Também, Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas, a partir de um Riobaldo já idoso que conta de forma monológica sua história a um "doutor", sendo a única voz que o autor deixa transparecer no texto.

Porém, o que mais interessa nesse momento, é saber os dois principais passos ao se desenvolver uma narrativa. O primeiro, criar a fabulação, ou seja, organizar os acontecimentos em sua ordem exata dos acontecimentos; o segundo, tramá-los de modo a que se obtenha uma narrativa interessante, que prenda a atenção do leitor.

Ao resultado final disso tudo, damos o nome de enredo, que como uma rede, uma teia de aranha, deve prender fortemente nosso leitor a ela.

Porém, experiências estão aí para serem feitas. Uma das minhas regras básica é: se na sua opinião conseguir um bom efeito estético, algo que particularmente lhe agrade, quebre todas as regras; caso contrário, mantenha-se nelas que sairá inevitavelmente ganhando. Lembrando que, apesar de tanto se falar em crise de narrador, morte do romance, morte do autor etc., ainda são os novos autores com escrita mais tradicional  que se mantêm na lista dos mais vendidos. Como provavelmente o amigo escritor que frequenta esse blog não tem intenções de escrever um arrasa-quarteirão, pode fazer como minha amiga Zezé, que escreveu seu livro (Lua Rouxinol) de forma monológica, sem um conflito que o sustente e até sem enredo - o que para mim é o primeiro que encontro. Buscando segurar o leitor apenas na qualidade de sua escrita. Quem quiser conferir o resultado estético, pode comprar o livro via Livraria Cultura.



terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Elementos da narrativa: conflito

Toda narrativa contém elementos básicos que a constituem. Entre eles, os principais: narrador, personagem, tempo, espaço, conflito e enredo. Porém, neste artigo de hoje, quero me deter um pouco mais nesse penúltimo.

Quanto ao conflito, lembro-me bem de minha primeira experiência mais longa com a escrita. Tinha entre 16 e 17 anos e, durante as férias, uma amiga procurava alguém para ajudá-la em um trabalho de português, ou melhor, para fazê-lo: escrever um livro. Não precisava ser um romance de 500 páginas, mas algo que pudesse se chamar de livro, e ela dizia não reunir condições de fazê-lo. Eu me predispus, e o fiz.

Foi um caderno brochura, com 100 folhas, preenchidas cuidadosamente, porém, ao longo da história algo me incomodava, e eu não sabia precisar o quê. Contava a história de um rapaz, de nome Fabiano, que perambulava pelos bares à noite, curtia um tanto da natureza quando de dia, mas... e aí?! Confesso que o livro até que foi bem escrito para alguém daquela idade, depois datilografado e encadernado pelo pai da moça, porém demorei anos para entender o que faltava naquela narrativa. E era conflito.


Para que uma narrativa se sustente, para que prenda a atenção do leitor, o conflito se faz necessário, ou seja, alguém desejar algo e alguém tentar impedir esse algo. Daí, temos a noção básica de protagonista e antagonista, que trabalharemos melhor noutro dia.

Nesses casos como de meu livro, até que cairia bem um conflito psicológico, o que não saberia como desenvolver àquela época, e que certamente daria até que certa graça à narrativa.

Como vim para a escrita meio pelo avesso, a partir do teatro, aprendi logo de cara: não existe dramaturgia sem conflito. Drama é ação, conflito, fora disso, difícil prender o espectador aos acontecimentos do palco. E no teatro, a história é contada por meio do diálogo. Aí vai uma dica para os romancistas: quer aprender a escrever bons diálogos? leia boas peças teatrais, de preferência, escrita por autores nacionais (nada de tradução).

Outra dica (de ouro) para a escrita de diálogos: leia-os em voz alta, corrija e corrija, até soar com naturalidade.

"Como desenvolver o conflito" devo falar algo quanto escrever sobre a construção de personagens, OK?! Porém, lembre-se dessa regra: sem conflito o texto empaca em seu desenvolvimento, fica pálido, enfraquecido, perde a graça.


E, para finalizar, o professor descobriu de pronto que o texto não era da moça. Não me lembro da nota que ela recebeu, mas, certamente, gerou conflito.