domingo, 12 de agosto de 2012

Aprender a escrever a partir da leitura

O assunto que abordo hoje considero simples, porém, de fundamental importância porque podemos aprender (e muito) a escrever partindo-se daquilo que se lê. Porém, em nossa prática diária, pouco sabemos ou aproveitamos desse fato, até por desconhecermos alguns princípios básicos.

Gostaria de iniciar dizendo que cada leitor é um leitor diferente, porque cada um tem diferente conhecimento de mundo dentro de si, também, diferentes interesses ou envolvimentos com a leitura. Porém, em termos didáticos, costuma-se dizer que a leitura possui três níveis básicos de configuração: sensorial, emocional e racional.


Sensorial é o primeiro contato com o livro, a decodificação de palavras (tinta preta sobre o papel branco) quando usamos a visão, o tato, a audição etc. tanto para o livro físico quanto para as palavras decodificadas. Emocional é o seu envolvimento com a narrativa, com as personagens, com a situação; é o rir ou chorar, a viagem literária (ir com o texto). Racional é quando, passados os níveis anteriores, o leitor toma o texto como base para reflexão, seja ela social, literária ou de que natureza for. Em outras palavras, passado o envolvimento emocional com o texto, aplica-se a frieza do raciocínio para melhor compreender os elementos que nele atuam, e dessas avaliações busca-se tirar algum proveito.

Evidentemente existe interação entre os diversos níveis de leitura, eles não são tão separados assim, porém, é certo, somente a releitura permite uma análise mais racional, pois, passado o impacto inicial, estamos mais à vontade para racionalizar sobre o texto. E podemos agora fazê-lo de acordo com o interesse específico do momento de modo que novos conhecimentos e estruturas sejam absorvidos a cada releitura, verificar como cada peça é encaixada. Vou exemplificar.


Suponhamos que você, leitor-escritor, se interesse pela escrita de Machado de Assis, que o tenha como modelo e que deseje absorver um tanto de suas técnicas de escrita, seja dos contos, crônicas ou romances. Primeiro, selecione o texto desejado (o todo, capítulo ou trecho); depois, leia-o de forma desinteressada, de forma lúdica mesmo, isto é, envolvendo-se com a história, deixando-se levar, rindo e/ou se emocionando com as respectivas passagens.

Assim feito, releia o texto, porém, desta vez, decodificando os elementos da narrativa: tempo, espaço, personagens, conflitos, complicações, peripécias etc.; faça anotações. Já nesta leitura, o texto começa a tomar outra forma, você começa a vê-lo com outros olhos. Agora, faça nova releitura e verifique como o autor realiza as descrições, quais substantivos usa; quando usa, ou não, os adjetivos; opta por frases curtas? longas? coordenadas ou subordinadas? Quais os verbos que mais utiliza para a narração? Faz uso de quais verbos dicendi? Quem é o narrador? Narra no pretérito, no presente? E por aí vai.

Depois, nova leitura, verifique as figuras de linguagens, as metáforas, as símiles, as antíteses, as personificações etc. E perceba como uma narrativa se desenvolve em cena (passagens narradas em  detalhes) e sumário (cortes bruscos com passagens longas de tempo, sem detalhamento); perceba como o texto se desenvolve de modo a prender emocionalmente o leitor em seus braços.

Portanto, para se compreender racionalmente um texto de modo a dele tirar proveito em termos de aprendizado de escrita, devemos "descascá-lo" com a uma cebola, camada após camada, buscando a sua essência, indo em direção ao seu âmago.



O leitor-escritor que assim o fizer, certamente, dará saltos notáveis em sua escrita, principalmente identificando entre os clássicos aqueles com mais se identifica. E não se preocupe que isso seja uma "espécie de plágio", porque a voz interna de cada escritor é única. Portanto, trata-se apenas de excelente aprendizado porque nada do que escrevemos é realmente nosso, mas estamos inseridos num contexto histórico-social do qual não fugimos e toda escrita se mantém por meio da tradição, do dialogismo, porém, sobre esse assunto já escrevi um  outro artigo que se encontra postado aqui no blog.

Abraço, faça detalhadas releituras e boa viagem com sua escrita.