terça-feira, 11 de setembro de 2012

Sobre o amor e o amar



Amar é verbo. Diz a gramática que verbo é palavra variável que indica um processo, isto é, aquilo que se passa no tempo. Sendo assim, os verbos têm aspecto dinâmico, ao contrário dos nomes (substantivos, adjetivos e advérbios) que, ao representarem o mundo dos objetos, têm um aspecto estático. Os verbos podem indicar, também, estado, existência, fenômeno da natureza etc.
Temos o hábito, porém, de pensarmos a palavra “amar” como a citada imagem estática — talvez pelo fato de “amar” ser um verbo transitivo direto, quem ama, ama alguma coisa ou alguém. Assim: João ama Maria (ponto). Note o parecer estático da frase. Parece indicar apenas um estado, como fosse verbo de ligação. Exemplo: Joana está bonita. Pronto, indicou um estado, portanto, seu sentido é estático.
“João ama Maria” vai passar rapidamente para o pretérito se João, ou Maria, continuarem considerando o referido verbo como de ligação. Passará, então, a frase para um “João amava Maria”, indicando novo estado — paixão que se estendeu no passado, agora em situação acabada, de abandono.


“Amar” é parecido, como processo dinâmico, com o verbo “alimentar”. João alimenta Maria (ponto). Agora, sim, temos uma visão melhor do significado de amar. Alimentar é algo que ocorre, em média, três vezes ao dia: café, almoço e jantar. Normalmente ainda damos umas beliscadinhas entre as refeições e buscamos sempre, geralmente aos domingos e festividades, uma mesa farta que nos satisfaça além da necessidade habitual. Ora, se apenas uma dessas citadas refeições nos é suprimida sentimos uma sensação de mal-estar, o que dizermos então de várias dessas refeições suprimidas sucessivamente dia após dia, meses após meses? Evidentemente sentiremos fraqueza e nosso estado físico passará de uma condição saudável a uma condição de subnutrição. Haverá uma deficiência calórica, a saúde será comprometida e, provavelmente, chegará o indivíduo à morte.
Assim é o amor. Quando estabelecido entre duas pessoas, um processo de dupla alimentação, de querer bem, de tratar bem ao outro, de um tanto ser nutrido quanto nutrir ao outro. No mundo dos negócios, a essa característica, dá-se o nome de negociação ganha-ganha. Em outras palavras, ambas as partes lucram. Na biologia, chamamos por simbiose. Não importa se um lucra um pouco mais, se o outro lucra um pouco menos; o que importa é que eles se complementam e garantem o benefício mútuo da associação.


O conceito de amor sofreu profundas variações ao longo da história humana; desde o primal “possuir por instinto” passando pelo conceito da pura conveniência social. Mantém-se, porém, um elemento básico em tudo isso: somos animais sociais, necessitamos uns dos outros. Quanto ao homem e à mulher, essa necessidade atinge patamares psíquicos e emocionais, além do tradicional físico — não querendo me estender em assuntos místicos.
Desde o final do segundo e início de terceiro milênio, estamos sendo assolados pela ruptura dos conceitos e padrões socialistas, caindo por terra o sofrido e conquistado meio-termo: o que poderíamos chamar de social-democracia. O capitalismo assumiu a hegemonia sobre os fatores que envolvem uma sociedade, como: decisões econômicas, políticas, mídia, hábitos, costumes, tudo digerido pela gigante máquina de triturar que é o atual consumismo acelerado. A necessidade desenfreada de acumulação de capital levou o homem a um processo de acirramento da disputa, de um processo de globalização que atende aos grandes interesses econômicos de acumulação de capital, deixando o elemento homem, e valores sociais, renegados a segundo plano. A ideia vendida de globalização e o pseudo cooperativismo inibe e traz retrocessos a anteriores conquistas sociais, ampliando o fosso entre ricos e pobres ocorrendo mais e mais a imbecilização da classe proletária.
Ao amor, dentro da sociedade acima descrita, cabe um novo papel: ser substituído por um conceito mais comercial: sexo. Um produto que, com certeza, gera grandes receitas e, consequentemente, maior acúmulo de capital. Em resumo, o amor virou mercadoria.


O homem deste início de terceiro milênio me parece muito com aquele homem barroco, que se encontrava sempre em conflito, dividido entre formas opostas de pensar: o teocentrismo medieval e o antropocentrismo renascentista. A tecnologia, as mudanças provocadas pela informática e biotecnologia deram respostas produtivas, mas não morais, e tampouco espirituais, em relação às necessidades do homem contemporâneo. E é nessa busca conflitante que nos encontramos, beirando a demência e o surrealismo. Produzimos, destruímos, poluímos, mas defendemos a preservação do meio-ambiente. Acreditamos que é preciso fé religiosa, mas transformamos as igrejas em grandes centros de acumulação de capital — de modo que elas não correspondem mais aos nossos anseios espirituais. Criamos mecanismos para ditar melhor colaboração entre os países, mas ampliamos cada vez mais o fosso econômico entre nações ricas e pobres. Dizemos que é preciso cuidar dos menos favorecidos, mas não damos mais nem atenção aos nossos próprios filhos. Dizemos buscar alguém que nos complemente, mas, na prática, almejamos emoções, aventuras e toda espécie de prazer sexual que possa satisfazer, ainda que por curto espaço de tempo, a essa nova necessidade imposta por um mundo individual e consumista.
Para suprir tantas necessidades que deixam de ser latentes a cada momento, temos de ter sempre novos produtos que atendam essas emoções. Televisores de telas grandes, videogames, computadores de última geração, aparelhos de realidade virtual, novos modismos e novos ídolos musicais, entretenimentos diversos, enfim, produtos dos mais diversos tipos que possam ser encontrados no grande supermercado que virou o nosso dia a dia. O importante é o consumo rápido, fast e junk food, descarte das antigas e busca das mais recentes necessidades criadas por um sistema que nos bombardeia com o já conhecido mote: consuma, seja alguém, consuma.


A tentativa da prática do amor, no panorama atual, fica restrita à insistência de alguns poucos; como o conhecimento guardado pelos sacerdotes ao longo do obscuro período da Idade Média. Até que novos tempos os tragam de volta, à luz. Ainda assim, por mais que se resista, até para esses tolos incorrigíveis, é difícil resistir a não adaptação do bom e velho amor a certos requintes da modernidade. 


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