quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Elementos da narrativa: enredo

Recentemente, falei um pouco sobre a importância do conflito na narrativa; hoje, vou falar um pouco sobre o enredo.

A palavra deriva do verbo enredar, que significa emaranhar-se, embaraçar-se em coisas intrincadas ou situações complicadas. O próprio verbo vem da conceito de rede, que é uma malha larga feita com o entrelaçamento de fios. Portanto, o enredo é um emaranhado de situações que percorre uma narrativa, tendo como principal ator exatamente o protagonista, aquele que promove a ação narrativa, que faz com que as situações se sucedam. Daí, fica fácil ao amigo escritor compreender até o discutido conceito de "a jornada do herói": é aquele que, em benefício de uma sociedade, tem uma difícil tarefa a cumprir (normalmente, um Mal maior) e sai em busca de sua missão, isto é, eliminar o inimigo. Em suma, é como o "salvar" de um jogo de videogame, ou o duelo final de uma história de bang-bang onde o mocinho sai vencedor, ou de uma justa da Idade Média etc. e etc.


É estrutura bastante simplificada, mas que toca profundamente o inconsciente humano (mundo dos arquétipos) e, portanto, funciona muito bem. Famosa é a citação de que a trilogia de Guerra nas Estrelas foi fundamentada nessa jornada, muito bem explicada por Joseph Campbell em O herói de mil faces ou em O poder do mito (livros que podem facilmente ser encontradas em uma livraria).

Pois bem, daí percebe-se facilmente a necessidade de haver um conflito básico que sustente a narrativa, que dê razão e conduza nosso herói a uma meta maior, final, a qual acarreta clímax e desfecho narrativo.

Gostaria apenas de fazer distinção entre fabulação e trama, de acordo com os formalistas russos. O leitor que pesquisar pode encontrar diferentes definições para o que seja fabulação, porém, esse conceito que passo penso ser extremamente prático, e útil (repasso aqui somente conceitos que considero "úteis", ou seja, tenha utilidade prática quando da escrita, nada de aporrinhações estéreis).


Fabulação é a história estruturada de forma linear, ou seja, de acordo com a ordem cronológica, com o correr exato do tempo. Exemplo: a, b, c, d, e, f, g... etc., sempre na ordem correta, na ordem dos acontecimentos. Trama é exatamente o emaranhamento dos fios, ou seja, o cruzamento desses acontecimentos, a fim de contar a história de modo mais interessante ao seu leitor, E NÃO NECESSARIAMENTE NA ORDEM CRONOLÓGICA. Por exemplo, Machado de Assis conta a história de Dom Casmurro a partir da velhice da Bentinho, e retoma os pontos da juventude, inclusive dos primeiros contatos com Capitu. Idem em Memórias póstumas de Brás Cubas, o qual, inclusive, é contado a partir do narrador já morto. Também, Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas, a partir de um Riobaldo já idoso que conta de forma monológica sua história a um "doutor", sendo a única voz que o autor deixa transparecer no texto.

Porém, o que mais interessa nesse momento, é saber os dois principais passos ao se desenvolver uma narrativa. O primeiro, criar a fabulação, ou seja, organizar os acontecimentos em sua ordem exata dos acontecimentos; o segundo, tramá-los de modo a que se obtenha uma narrativa interessante, que prenda a atenção do leitor.

Ao resultado final disso tudo, damos o nome de enredo, que como uma rede, uma teia de aranha, deve prender fortemente nosso leitor a ela.

Porém, experiências estão aí para serem feitas. Uma das minhas regras básica é: se na sua opinião conseguir um bom efeito estético, algo que particularmente lhe agrade, quebre todas as regras; caso contrário, mantenha-se nelas que sairá inevitavelmente ganhando. Lembrando que, apesar de tanto se falar em crise de narrador, morte do romance, morte do autor etc., ainda são os novos autores com escrita mais tradicional  que se mantêm na lista dos mais vendidos. Como provavelmente o amigo escritor que frequenta esse blog não tem intenções de escrever um arrasa-quarteirão, pode fazer como minha amiga Zezé, que escreveu seu livro (Lua Rouxinol) de forma monológica, sem um conflito que o sustente e até sem enredo - o que para mim é o primeiro que encontro. Buscando segurar o leitor apenas na qualidade de sua escrita. Quem quiser conferir o resultado estético, pode comprar o livro via Livraria Cultura.



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