domingo, 26 de fevereiro de 2012

Elementos da narrativa: personagem (I)

Olá, amigos, vou falar hoje um pouco sobre o elemento mais importante da narrativa: a personagem.

Antes de mais nada, é bom avisar que a palavra personagem é, originariamente, feminina; porém, pelo uso indiscriminado no masculino, acabou se transformando em comum de dois gêneros, ou seja, o/a personagem, tanto faz. Por questões acadêmicas, maior rigidez, acabei me acostumando com o original, isto é, com o feminino, porém, podemos usar tanto um quanto o outro, indiscriminadamente.

A palavra vem de persona, que era o nome dado às antigas máscaras do teatro grego, motivado pela necessidade de haver um orifício para a passagem da voz do ator, portanto, por onde a voz soava (per + sona). Tem essa mesma origem tanto pessoa quanto personalidade - utilizada esta como "conjunto de características individuais e sociais de alguém", ou seja, acompanha o conceito de papel social. Para cada ambiente, para cada expectativa social, utiliza-se determinada persona - explico grosso modo, pois o objeto de estudo aqui é a literatura, não a psicologia.

Voltando para a vida prática, para a problemática em si do escritor, vale a seguinte dica: se quiser escrever um texto que realmente valha a pena, que deixe marcas no leitor, crie bem a sua personagem. Falo isso porque conflito e personagem andam lado a lado, pari passu. A personagem é a essência de toda e qualquer  narrativa, porque alguém precisa vivenciar aquela história, embrenhar-se naquele conflito, e quem faz isto é a personagem principal, o protagonista.


Personagem e conflito são carne e osso do mesmo ser - sem os quais dificilmente uma narrativa se sustenta.

Portanto, ao se criar a personagem, em detalhes, com densidade, esta precisa ter história de vida (passado) e um objetivo a ser alcançado (futuro). Com isso, automaticamente, a própria narrativa já vai se desenhando. Importante para o escritor entender que a personagem é a própria narrativa. Tudo o que você terá de fazer é contar a história de uma personagem, seja ela de que natureza for, viva esta uma história cheia de acontecimentos externos (factuais) ou apenas internos (psicológicos).

Perceba que o Bentinho que inicia a narrativa não é o mesmo Bentinho que termina a narrativa; o mesmo Riobaldo que inicia seu monólogo não é o mesmo que o termina; que a Macabéa do início não é a mesma do final, PORQUE ELES PASSAM POR TRANSFORMAÇÕES, por experiências pessoais que os vão enriquecendo, que vão se acumulando, como os frames de um filme.


Em termos de linguística textual, quando o autor introduz um referente (um nome próprio numa narrativa) é como se instalasse um nódulo textual (uma bolsa, um vaso, um recipiente). De acordo com os predicados da personagem, que o autor passa ao leitor ao longa da narrativa, estes vão se acumulando (características, qualidades, ações), vão se somando às experiências anteriores por ele vividas, muitas, de modo a preencher indefinidamente este nódulo, fazendo com que, ao final, a personagem seja outra, isto é, esteja modificada, não é mais a mesma, porque viveu experiência própria, incomum.

Pode também nosso amigo escritor pensar nesse fato como um processo de enriquecimento. Aqui vale o que já comentei sobre o conflito, em postagem anterior: se não acontece nada na narrativa,  QUANDO NÃO SE ENRIQUECE A PERSONAGEM, dificilmente se prende a atenção do leitor. Em outras palavras, frustra-se o leitor ao permanecer o protagonista com as mesmas características início, meio e fim.

Mesmo em narrativas como Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf, romance polifônico de características psicológicas, a protagonista Clarissa Dalloway do início não é a mesma do final , apesar da história se passar em um único dia. Isso porque, habilmente, a autora constrói passo a passo sua protagonista, vai revelando delicadas informações sobre ela (e de toda uma sociedade), passagem por passagem, enriquecendo o conhecimento que temos dela, do ambiente, daqueles que a cercam. Por analogia, é como um botão de flor que vai se abrindo, expandindo suas pétalas para, no final, mostrar-se perfumada e bela.


Essa é a personagem que o amigo escritor precisa encontrar. Não se preocupe inicialmente com a narrativa (com os acontecimentos em si), mas, antes de mais nada, com uma PERSONAGEM que tenha uma história a ser contada.

Como em Seis Personagem a Procura de um Autor (disponível via Internet), de Luigi Pirandello, acredito que as personagens existam aos borbotões, pedindo insistentemente para que contemos suas histórias, para lhes darmos vida, existência, concretude literária.

Onde e como encontrá-las? Desculpe-me o autor ansioso, cumprimos por enquanto nosso objetivo inicial. Agora, isso é assunto para outro dia.

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