terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

"Ter" ou "haver", e a pedra no meio do caminho

Bom, antes de mais nada é preciso que o visitante do blog ouça a poesia de Drummond, No Meio do Caminho, por sinal, considerado o mais polêmico e controverso  texto do autor. Talvez pela publicação ainda em 1928, na Revista de Antropofagia, rompendo paradigmas numa sociedade ainda fortemente tradicionalista. Quem quiser saber mais sobre o assunto, pesquise pela Internet, o que importa agora é ouvir a poesia (inclusive, na voz do próprio autor).


Certa vez, escutei uma professora de literatura comentando que Drummond cometeu "erro" gramatical, um deslize com nosso vernáculo, pois não se deve utilizar o verbo ter com o sentido de existir, mas sim o verbo haver. Desse modo (conforme o Cegalla):

Hoje não feira./Havia teias de aranha por toda parte./ pessoas passando fome.
  
e não

Hoje não tem feira./Tinha teias de aranha por toda parte./Tem pessoas passando fome.

Até aí, tudo bem. Ah, diriam outros, mas Drummond tinha "licença poética", ou seja, tinha o direito de transgredir a norma considerada culta. Novamente, até aí tudo bem.

Ora bolas, uma das vantagens de se estudar gramática sendo autor (que é o meu caso) é que a gente acaba aprendendo diversos macetes que o estudioso não autor tem maior dificuldade em perceber. Por que falo isso?

Um dos segredos da boa escrita é trabalhar com a sonoridade das palavras, e precisamos tomar cuidado com as possíveis más interpretações que um termo sofre ao ouvido de seu interlocutor, ou seja, cacófatos, distorções de significado ou palavras de duplo sentido.

Leia em voz alta: No meio do caminho havia uma pedra / havia uma pedra no meio do caminho / havia uma pedra.

É óbvio que o "havia uma pedra", separado por sílabas poéticas, formam uma tal de "a Vilma pedra".

Leia em voz alta: No meio do caminho a Vilma pedra / a Vilma pedra no meio do caminho / a Vilma pedra.

Perceba como obtemos a mesma sonoridade, porém, com resultado simplesmente catastrófico. E a professora de literatura queria que Drummond fizesse uso da regra culta (!).

Por isso, aqui vai a dica de hoje: cuidado com as sonoridades que as palavras formam, ao se agruparem, ao se sucederem. Por exemplo: abandonou o filho, eterno objeto de sua preocupação. O que dá uma possível leitura: abandonou o filho e terno objeto de sua preocupação. E mais centenas e centenas de outros exemplos que aqui poderiam serem dados.

Resumindo: ao escrever, evitem duplos sentidos, cuidado com a sonoridade resultante das palavras.

Nenhum comentário:

Postar um comentário