quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Hurricane Smith e as sacolinhas plásticas



Sou de uma geração contestadora que, entre tantas reivindicações, não somente viu nascer, mas também  embalou nos braços os primeiros movimentos ecológicos. Igualmente, curti muito um sucesso musical intitulado Don't let it die, do Hurricane Smith, um engenheiro de som londrino que fez a gravação de sua música esperando que Lennon a gravasse. E nesse "vamos ver no que dá", o já cinquentão engenheiro transformou-se em sucesso mundial. É considerada a primeira música efetivamente ecológica, um hino para os aficionados, e saudosistas, como eu.

Ocorre que a partir de hoje, por um acordo entre o governo do Estado e a Apas (Associação Paulista dos Supermercados) começa a vigorar a não distribuição gratuita das sacolinhas plásticas nos supermercados da região, medida que visa contribuir com a preservação do meio ambiente. No lugar delas, agora, caso o consumidor não as traga de casa, pagará R$ 0,19 por sacola biodegradável. Aqui em Santos, inclusive, foi erguida uma sacola gigante, biodegradável, para marcar o movimento. O que me chama a atenção é o fato desse acordo ser principalmente de interesse dos supermercados, e explico por quê.


Como profissional que fui de marketing, e atuei especificamente no varejo (supermercados e eletroeletrônicos), sei que os custos de embalagens fazem parte da composição dos preços, e são repassados ao consumidor. Não tem jeito, meu camarada, aqui vale o velho ditado: do couro sai a correia. Portanto, com certeza absoluta, essa redução de custos, apesar de pequena, não será repassada aos preços finais (a você, consumidor), tampouco repassado algum montante para causas ecológicas. Portanto, em termos de custos operacionais, se você não abater esses valores do preço final, entra esse montante como lucro líquido da empresa - isso de forma inequívoca. Ainda para ajudar, será aumentada consideravelmente a venda de sacos de lixo no próprio supermercado, mais a receita dos R$ 0,19 por sacolinha biodegradável e dos mais variados tipos de sacolas retornáveis que serão vendidas no local.

O que mais me assusta, porém, é o pensamento de que a sacolinha plástica é o grande vilão da história, enquanto as garrafas pets, as embalagens de longa vida, os potes de marginas, iogurtes, as embalagens de isopor, essas continuam a passar despercebidas. E pior? Cadê a coleta seletiva de lixo?

Moro num dos bairros melhores localizados de Santos, aqui do ladinho da chamada Vila Rica, e não existe coleta seletiva de lixo, aliás, um próprio empreendimento de porte, vizinho meu, mantém a sua calçada muito mal conservada, em estado permanente de sujidade, ajuntando moscas e insetos. Aliás, há cerca de dois anos, tive de acionar a prefeitura por inúmeras vezes, que constatou os focos de dengue. E pior ainda, verificando o quanto uma pessoa de meu contato pessoal limpava e separava o lixo reciclável, desferi-lhe um sonoro elogio, ao que me respondeu. "E você pensa que adianta alguma coisa? Fica tudo em caixas separadas, quando vem o lixeiro, tudo é jogado e compactado junto, numa mesma caçamba". E isso num bairro de São Paulo que tem padrão de vida no mínimo igual, ou superior, a países europeus (Vila Nova Conceição). O que esperar, então, lá nas quebradas do mundaréu (como diria Plínio Marcos)?

Talvez por ironia, ou seguindo a temática do dia, no próprio jornal que fala da sacolinha, uma leitora escreve reclamando da quantidade de sujeira que aparece na Ponta da Praia, trazida pelas ondas do mar, e que na data de ontem tinha encontrado até "um capacete". Ora bolas, uma vez me explicaram que as população das palafitas, da beira dos mangues dos municípios adjacentes, joga o lixo junto à maré e que esta, ao se elevar, devido às correntes marítimas, leva esses resíduos (inclusive as famigeradas sacolinhas) para dentro do mar. Conforme a corrente, atingem principalmente a região da Ponta da Praia (entrada do Canal de Santos).

Também, ainda no mesmo jornal, outra manchete "SUJEIRA TOMA CALÇADA NO BAIRRO DA APARECIDA", e tome desmando: uma das principais avenidas de Santos, a Afonso Pena, virou depósito de lixo. Já houve ligações para a Ouvidoria do município e ainda não se obteve resposta.

Então, pergunto, serão mesmo as tais sacolinhas assim tão culpadas? Começo até a me solidarizar com elas.

 
Alguém acredita que estas deixarão de serem jogadas ao léu, ao gosto do freguês? Alguém efetivamente duvida que os sacos de lixo se tornarão mais baratos? Menores e similares às sacolinhas de supermercados? Então, e os sacos de lixo, deixarão de serem usados? E as garrafas pets? E as embalagens plásticas? E os potes de margarinas? E os isopores?

E quanto tempo essas novas sacolas demorarão para se degradarem? Dois anos? Três? Quatro, ou mais?

Chego à conclusão a troca das sacolinhas plásticas de supermercados pelas biodegradáveis é um ato político, que se fundamenta em uma falsa motivação ecológica, que certamente aumenta o lucro dos varejistas, enquanto os maiores abusos por parte da população e das empresas poluidoras são fracamente inibidos, com punições raras ou insuficientes.

Do meu lado, além desta reflexão só me resta algo a fazer: pingar meu colírio alucinógeno, botar o CD no aparelho e voltar a curtir o Hurricane Smith.

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